30 de março de 2011

Eu só gostaria de menos falar e mais fluir

Por que eu insisto em falar com ela? Flores, cheiros, gostos e texturas. Um trabalho homérico suportar tamanha canastrice. Bocas vermelhas, rosas e amarelas. Todas abertas cuspindo barbaridades e banalidades acumuladas há milhares de anos. Tenso, permaneço teso à sua frente, os olhos suspensos e a coluna reta. Meus pés não tocam o chão. Ou tocam e não o sinto. Ou o sinto, mas não o toco. Quero apenas sair desse habitáculo frio e escuro. Pra que me estender mais se no fim tudo será igual? Redundâncias infinitas; ando em círculos afundando o chão ao meu redor e levo todos comigo. Clara me disse certa vez que gostava do jeito que eu a olhava. Mentira, sou vesgo. Ela achava graça da maneira insólita com que meus olhos tortos miravam pontos distintos de uma mesma cena. Poético, não? Tenho dois pontos de vista diferentes. Mas na verdade sou um canastrão imbecil que não vê nada além do próprio umbigo. E agora cá estou eu, sentado nesse banquinho desconfortável vendo sua boca pintada se mover para cima e para baixo, deixando à mostra aqueles dentes de Colgate. Seu hálito é bom. Ele me lembra os dias quentes de verão, quando ia para a lagoa me refrescar e deitava na relva deixando o vento tocar suavemente minha face. Alegria. Frescor. Agora só resta o ar condicionado daquela sala e definitivamente não é a mesma coisa; deixa o ar meio mofado, não sei... é estranho. O cheiro de umidade se mistura com o perfume dela, um odor meio adocicado, suave, excitante. Parece com o perfume que ela usou naquela noite, aquela... como ela estava linda... Piiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii! É meu relógio... já são três da tarde. Como o tempo passou rápido. Mas por que estou aqui mesmo? Ah, deixa pra lá. Depois eu faço isso. Hoje não. Não agora que ela está tão linda, tão perfeita... Outra hora, quem sabe. Quem sabe eu não flua mais, ao invés de tanto falar?